O Palmeiras precisa entender que sim, é o melhor elenco do país, mas que não, isso não vai lhe dar nenhum título. É preciso dar o sangue como todo mundo
Carlos Massari (@carlosmidiasep)
Colunista da Mídia Palmeirense
Se não existisse segundo tempo no futebol, o Palmeiras teria apenas dois pontos na Libertadores e já estaria eliminado.
Você pode dizer que essa é só uma estatística inútil e que o “se” não existe. É um argumento válido. Mas essa inconsistência absurda no começo das partidas tem muito a dizer sobre o estado atual do Palmeiras. Não é algo que vem só da competição continental – quem não se lembra do massacre sofrido diante da Ponte Preta em Campinas? Jogar só os quarenta e cinco minutos finais tem sido um sintoma não só de uma, mas de várias doenças.
O Palmeiras sofre em 2017 de uma síndrome de bela adormecida. Entra em campo em um estado de sono profundo, aguardando um acontecimento extraordinário para que possa despertar. Muitas vezes, não tem nenhuma consistência tática, não demonstra raça, não sabe o que fazer com a bola. Os atletas simplesmente existem, vêem o adversário jogar. O estrago só não é maior porque, nesse primeiro semestre, ainda não enfrentamos nenhum rival que realmente dê medo.
Enquanto dormimos, os adversários aproveitam. Fazem o que querem. Marcam dois ou três gols. Abrem vantagem, perdem mais chances, colocam os atletas verdes na roda. É como estar em uma disputa contra um cadáver. E é só no intervalo que ou alguma substituição, ou alguma palavra de ordem, ou o apoio da torcida faz com que o despertar aconteça.
As desculpas variam a cada partida. Contra a Ponte Preta, foi o time cansado da batalha que acontecera três dias antes. Contra o Peñarol, foi o erro tático grotesco de Eduardo Batista. Contra o Jorge Wilstermann, foram a altitude e as péssimas condições do campo. Sempre existe um culpado, nunca é o próprio Palmeiras, nunca é a falta de intensidade, nunca é o time multimilionário que joga só quando o desespero bate.
O futebol é um esporte que é vencido dentro de campo, não pelo preço dos atletas. Que é vencido em noventa minutos, não em quarenta e cinco. Que é vencido pelo número de gols marcados, não pelo peso da camisa. Sim, o cansaço existiu. Sim, Eduardo errou. Sim, a altitude atrapalhou e o campo era ruim. Só que nada disso deveria importar. O coração deveria ser capaz de fazer com que essas partidas fossem pelo menos mais iguais em seus começos. E o cérebro deveria fazer com que os problemas fossem acalmados e as situações menos problemáticas.
Uma das doenças do Palmeiras é a soberba. Acredita que pode impor seu ritmo contra qualquer rival, em qualquer campo. Acredita que seu elenco milionário pode vencer ou virar a qualquer momento. Acredita que o atual campeão brasileiro pode resistir fora de seus domínios apenas com o nome.
Outra das doenças é o orgulho. Um treinador jovem, recebendo sua maior oportunidade, que acredita que pode chegar no campeão brasileiro e implementar seu estilo em detrimento a um que deu tão certo em 2016. Acredita que pode fazer o centro-avante que encantou a América do Sul jogar completamente fora de suas características. Acredita que, mesmo quando as coisas parecem caminhar no ritmo errado, não pode voltar atrás.
Outra das doenças do Palmeiras é a letargia. Acredita que o que para ele é só mais um jogo, para os rivais também é. Acredita que ninguém está empolgado para enfrentar o time mais caro das Américas. Acredita que ninguém vai comemorar uma vitória sobre ele por semanas.
A intenção desse texto não é pedir a cabeça de ninguém, mas sim alertar para problemas que são claros. Nos dez dias até o próximo confronto, diante do Vasco da Gama, na estreia do Brasileirão, mais do que treinar e consertar problemas pontuais que vem acontecendo dentro de campo (como o declínio súbito da bola aérea, tanto defensiva como ofensiva, em relação ao ano passado), o Palmeiras precisa se conscientizar. Entender que sim, é o melhor elenco do país, mas que não, isso não vai lhe dar nenhum título. Que é preciso dar o sangue como todo mundo, pensar na tática que melhor se encaixa ao plantel como todo mundo, extrair o melhor de seus atletas como todo mundo.
Quando tivermos a mesma raça que os adversários por noventa minutos, e não só quarenta e cinco, quando encontramos a melhor formação, quando soubermos ser inteligentes para esfriar o ímpeto de quem quer colocar no cartel que nos derrotou, aí o cansaço, um erro tático que pode ser rapidamente corrigido, a altitude e campos ruins não poderão superar a nossa técnica. Porque potencializaremos o fato de termos o melhor elenco do Brasil, e não apenas dormiremos aguardando que o desespero nos acorde.