É possível um clube se tornar uma das coisas mais importantes da vida do torcedor? Ou seria ao contrário? Como o torcedor faz o time do coração ser tão valioso?
Por Ana Lúcia Bertolino Muneratti
“Quando a gente fala de Palmeiras, é o primeiro clube no Brasil que realmente tinha torcedores. O caminho para chegar até o Parque Antarctica, desde a Barra Funda, era caminho de terra. As pessoas iam para a estação, iam para acompanhar o Palmeiras.”
Nesta frase dita por Guilherme Rivera, 42, publicitário, empreendedor e cônsul do Palmeiras no Rio de Janeiro, é perceptível que a experiência de acordar e dizer “Sim, eu sou Palmeiras” vira aprendizado. Em um país onde a paixão pelo futebol é indiscutível por muitos desde cedo, saber que o Palmeiras é um clube merecedor de respeito e de imponência, fazer parte do lado palestrino, é excêntrico.
Dentre inúmeros torcedores…
Do torcedor casual ao sócio-torcedor, o amor pelo clube vai aumentando cada vez mais com conquistas, perrengues, memórias afetivas e amizades criadas pelo mundo afora.
Declaradamente palmeirense, não tem como deixar Mauro Beting, 54, fora dessa história. Filho de Joelmir Beting, ele é uma das figuras jornalísticas mais importantes que já teve relacionada ao time alviverde. Como ele mesmo destacou, brinca que o livro “O dia em que me tornei palmeirense” é o único de ficção dentre outros que já escreveu, pois se tornou palmeirense a partir do dia em que nasceu. Ou melhor dizendo, no dia de sua concepção.
“Uma paixão que, como meu pai falava, não é patológica, mas patogênica. […] De pai pra filho, de Palestra para Palmeiras, de alma de periquito para espírito de porco.”
Atuando como comentarista esportivo, Mauro é responsável pela tradução dos acontecimentos do jogo por diferentes aspectos, como uma espécie de mediador entre o que acontece em campo e o que o público recebe. Como mencionou, é maravilhoso trabalhar no ramo do esporte, pois vai conhecendo tantas pessoas de outros times que acaba trazendo o afeto e consideração por todos ao redor. Como no bicampeonato mundial do Corinthians ou no tricampeonato do São Paulo, revelou que não ficou tão dolorido, pois a rede de amizades que conquistou é tão grande que tinha amigos, de diretor, treinador a jogadores, conquistando um título.
“Você acaba sendo amigo de ídolo. É fantástico trabalhar com isso. […] Fiz muitas coisas pelo, para e com o Palmeiras sem cobrar nada, pois é uma paixão que não se cobra. […] Então eu posso dizer que ter uma ligação, digamos, que é mais direta e mais profissional, só me faz ser ainda mais palmeirense.”
A ala verde feminina
Entre muitas mulheres apaixonadas pelo Verdão, estão Julia Tavares e Isabella Barsottini Costa. Ao mesmo tempo em que uma representa o público feminino no mundo do Jornalismo, a outra faz parte do VerDonnas, movimento feminino do Palmeiras que surgiu em setembro de 2018.
Com família 100% palmeirense, Isabela, 24, acompanha o Verdão desde os 12 anos, integrando no time na época de 2008, quando fomos campeões paulistas. Desde pequena já sentia os baques na forma de agir quando o time ganhava ou perdia.
“No Paulistão 2008, eu só não fui no jogo contra o São Paulo com o meu pai e meu irmão porque meu pai achou que seria perigoso. Fiquei em casa chorando. Fomos campeões e já era! Comecei a acompanhar de fato o Palmeiras.”
Julia Tavares, 22 anos, é formada em Jornalismo e atua como editora de esportes na Record News. Vivendo com as notícias diárias no mundo da bola, contou que seguiu a profissão por conta do Palmeiras, pois queria um lugar que pudesse envolver o esporte com o time do coração.
“Curiosamente, quando eu era criança, eu não sentava para ver desenho, eu sentava para assistir jogos do Palmeiras. Então pra ser bem sincera, eu não sei quando isso começou, não sei quando o fanatismo começou. É uma coisa que veio de dentro de mim.”
Assunto discutido diariamente na mídia, não é de hoje que o público feminino sofre preconceitos dentro do mundo futebolístico. Revoltada em um dia e no outro nem se importando em acordar cedo, Isabela vai levando a vida de torcedora como todos. Com todo machismo e comentários maldosos constantemente, declarou que nunca se sentiu “abraçada” pelo time. “Eu ia nas lojas do Palmeiras e tinham três paredes de roupas masculinas e meia parede de roupas femininas.”
Os movimentos que apoiam a causa feminista são de extrema importância não só para a imagem e empoderamento da mulher, mas também para fortalecer o elo entre elas na torcida. Desde que o grupo VerDonnas foi formado, as meninas começaram a se organizar para acompanhar os jogos e irem no bar juntas.
Trabalhando na área da comunicação, olhares “tortos” são bastante indicados por Julia. Bastante ativa no Instagram e contando com a interação de seus seguidores, declarou que a rede é mais um dos ataques de machismo que vive diariamente. “É como se eu tivesse que provar o tempo todo que eu não uso do Palmeiras para me promover. E sim que eu amo o Palmeiras”.
Poder torcer em paz, frequentar estádio como qualquer outro homem e ter seu próprio espaço são pilares que devem sair da utopia.
Tão longe… mas tão perto
Tendo morado na Itália sete anos e vivendo no Rio de Janeiro há oito, Guilherme Rivera, já antes citado, tem uma realidade que interessa muito àqueles torcedores palmeirenses que não moram em São Paulo, a cidade de origem do clube. Como cônsul do Palmeiras, ele visa a importância de todos estarem unidos e torcendo, conhecendo outros horizontes ao redor do país e somando ideias para melhorar a imagem alviverde.
Influenciado pela parte italiana da família, declarou que a proximidade de seu primo foi levando aos caminhos para a paixão verde exercida atualmente. Como palmeirense carioca, consegue perceber as outras realidades de torcedores que não são paulistas, conhecendo histórias maravilhosas e os motivos que os levaram a se tornar palmeirenses, pois o mais comum de se ver são influências familiares ou de amigos.
“Muitas vezes quem é de São Paulo não consegue entender a grandeza que é o Palmeiras.”
O contágio verde
Enquanto para uns há explicações de como a paixão se expande e intensifica, para outros é inexplicável e incompreensível àqueles que não são da imensa rede de torcedores do Palmeiras.
A partir do momento que o viés alviverde impregna, é realmente difícil de ser retirado. Palmeiras vai muito além de palavras, palmas e bandeiras. Porém, é necessário liquidar certos pilares impostos pelo clube, como Guilherme destacou. Para alguns, torcer com aquela alma italiana diariamente, dependendo da intensidade, cansa, tendo que se relevar muitas situações.