‘Japonês’, Oswaldo mira seleção e conta como imagina o Palmeiras ideal
Técnico explica como trabalho no Japão transformou sua carreira e revela que convite do país pode balançá-lo. No Verdão, diz que Rafael Marques será titular
Guilherme, oito anos, passou praticamente a semana inteira na Academia de Futebol. Quando não estava correndo com uma bola para lá e para cá, vestido com camisa, calção e meião do Palmeiras, estava montando o time dos seus sonhos com lápis e papel.
– Ele colocou Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo e Ibrahimovic. Eu falei: “Você não quer mais nada, né?” – contou Oswaldo de Oliveira, 64 anos, o pai de Guilherme.
O time dos sonhos do técnico do Palmeiras, atualmente, é bem diferente. O que ele quer é transformar o elenco montado por Alexandre Mattos em uma equipe competitiva. E de preferência com uma azeitada variação do 4-2-3-1 para o 4-1-4-1. Às 18h30 deste domingo, contra o Penapolense, em Penápolis, Oswaldo estará à frente do banco alviverde apenas pela 8ª vez. E ainda sem Arouca, Valdivia, Cleiton Xavier…
Nesta entrevista ao LANCE!Net, concedida enquanto o pequeno Guilherme, o mais novo de seus três filhos, o aguardava na sala da comissão técnica, Oswaldo falou sobre suas pretensões táticas, adiantou que Rafael Marques está no “time ideal” e contou o que pensa sobre o jovem prodígio Gabriel Jesus, mas admitiu que um convite da seleção japonesa, cogitado pela imprensa asiática, pode fazê-lo deixar o Palestra Itália antes da hora.
Você fala muito sobre a disciplina japonesa. Poderia explicar melhor o que te fascinou na passagem por lá?
Disciplina e obediência. É algo muito distinto, talvez, de todos os povos. Você não pode comparar a iniciação futebolística do japonês com a do brasileiro. A nossa é muito mais avançada, por motivos óbvios, pela história do futebol, o espelho em que os jogadores se refletem, os grandes ídolos. Isso motiva, atrai um grande percentual da população para jogar futebol, o que facilita muito o trabalho de desenvolvimento do jogador. No Japão não é assim, eles estão desenvolvendo isso há muito menos tempo.
O futebol profissional no Japão está fazendo 22 anos. E eles conseguem, mesmo sem ter essa formação tão especializada, ter um desempenho excelente. Isso se dá não pela formação futebolística, mas pela formação pessoal, do homem, do caráter. Isso é dos costumes, da forma de educação, da escola. O cara aprende a ser obediente, disciplinado, perseverante, atento. Eles têm um sistema educacional que desenvolve muito o intelecto e a compreensão das coisas. Eu me surpreendia muito quando estava dando um treinamento e rapidamente os caras se adaptavam, fazendo de forma muito bem feita e me dando asas para criar outras coisas em cima daquilo, diferentemente do que eu tinha aqui. Lá, eles agem de uma forma muito mais coletiva. O nosso atleta, por essa iniciação, por esse espelho, pelas referências de Pelé, Zico, Rivellino, Ronaldo, Romário, Rivaldo, é muito mais individualista. É muito mais difícil você fazer um elemento desse, tão grandioso, tão idolatrado, se atribuir funções coletivas, do que um jogador mais operário. Essa disciplina japonesa me ajudou muito. Em cinco anos lá no Japão, ganhei nove títulos.
A seleção japonesa te procurou?
Estão falando, mas a Federação Japonesa não me procurou, não falaram nada. Em 2010, quando eu trabalhava lá, comentei os jogos do Brasil na Copa do Mundo para a Sky japonesa. Naquela época, eles davam como certo o convite e eu realmente fiquei muito animado. Quando não aconteceu, fiquei muito decepcionado. Então agora eu estou na minha, ninguém falou nada. Teve gente aqui da imprensa japonesa conversando comigo, um jornal e uma revista, mas não passou disso até agora.
Por todo o carinho que tem pelo Japão, é um sonho para você?
Olha, não é sonho, é objetivo. Eu penso, sim, em um dia dirigir uma seleção. E por essas características todas, a japonesa seria excelente, é inegável. Mas não posso nem pensar nisso agora. Quando a coisa não é concreta, não dá para pensar.
Você já usou como contraponto à disciplina japonesa o fato de, no Brasil, marcar o treino para 9h e só conseguir ir ao campo às 9h30 porque tem problemas a resolver em várias esferas do clube. Como tem sido aqui?
Aqui no Palmeiras tem sido diferente, nós temos conseguido instalar uma estrutura legal, os jogadores que a gente contratou e os que já estavam aqui são muito afeitos a esse tipo de trabalho. Uma vez ou outra tem uma necessidade. Na sexta, a gente ficou um pouco na dúvida quanto ao Zé Roberto e ao Tobio, se iriam participar do treinamento, mas isso não é o chamado pepino.
Sua ideia é fixar o 4-2-3-1, com variação para o 4-1-4-1, e encaixar as peças no esquema?
Exatamente isso. Um pouco antes de ir para o Japão, eu já tentava jogar dessa forma. Tive uma passagem no Qatar entre 2005 e 2006, e lá a gente começou a observar isso, enfrentando adversários que jogavam dessa forma. Essa variação, principalmente quando pressiona o adversário, de passar para o 4-1-4-1, é muito interessante. E é muito viável com esse 4-2-3-1 que você falou. Elas são conversíveis, você pode fazer muito bem essa adaptação, tanto atacando quanto defendendo. É realmente a forma com que eu tenho tentado fazer o time jogar e entender.
O 4-1-4-1 foi consagrado pela Alemanha na Copa e, no Brasil, tem dado certo com o Tite no Corinthians. É um modelo?
É, o Corinthians vem jogando muito bem. Mas eu acho que passa muito pela observação do Tite aos jogadores que ele tem. Conheci melhor o Elias no Flamengo, como adversário do Botafogo, e ele fazia muito bem essa entrada, passando de volante a meia e às vezes até a atacante. Essa referência do Danilo, que jogou comigo por três anos no Japão, também é muito interessante, facilita muito. E laterais com tempo e frequência de ataque, como nós temos aqui, o Corinthians tem: o Fagner e o Fábio Santos. É bastante viável isso.
Você tem dois potenciais titulares que jogam centralizados no meio: Valdivia e Cleiton Xavier. Para encaixá-los, o esquema pode mudar?
Pode ser, porque eu sempre priorizo a qualidade do jogador. Mas se eles puderem se adaptar, melhor. As variações, as alternativas, são constantes. Por exemplo, sempre digo aos meus quatro jogadores de frente que na hora de atacar não precisam seguir severamente a posição. Eles têm uma função, mas podem trocar de posição para conseguir envolver a defesa adversária. Ocorre que, quando passarem de atacantes a defensores, eles terão que ter a perfeita noção de onde vão encaixar. O Allione pode aparecer como centroavante, mas o Cristaldo terá que voltar pelo lado. Os quatro homens de frente têm muita liberdade de movimentação. Do Japão você tem pouco material, mas no Botafogo, no Santos e agora no Palmeiras, eu sempre dou muita flexibilidade aos meus homens de frente para fazer essas mudanças.
Foi pensando nessa troca de posições que você pediu a contratação do Rafael Marques?
Com certeza, porque ele é um jogador que posso usar em qualquer uma dessas quatro funções do ataque. Ele faz muito bem. Fazia isso lá no Japão, e no Botafogo também fez, comigo. Atua dos dois lados do campo, centralizado como atacante ou centralizado como meia, ele é capaz.
No seu time ideal, então, o Rafael tem vaga assegurada?
Com certeza, claro que tem. Assim que ele tiver condições, provavelmente vai ser titular aqui. Depende dele, né? Porque eu não escalo, ele é que vai se escalar.
Pelo que tem visto, o que poderia ser considerado um ano bom?
Olha, isso vai depender muito desse elenco realmente se transformar num time, temos que fazer isso. Foram muitas mudanças e a gente tem que respeitar. Se você me pergunta se eu acho que vou ganhar título, pode ser, nós temos condições para isso. Mas vai depender muito da evolução desse elenco, a transformação em time.
Uma das maiores expectativas da torcida neste elenco é o Gabriel Jesus. Qual é a sua ideia para ele? Vai dar chances?
Acho que não é minha ideia para ele, é a ideia dele para mim. Estou observando, ele está treinando todos os dias. Menino, adolescente que é, passa por muita transformação e a gente tem que respeitar isso. Tem que saber escolher o momento certo. Eu sabia que ele iria passar por essa ansiedade inicial, essa movimentação principalmente de torcida e imprensa. Temos que ver isso com muita clareza, muita frieza, para que ele esteja preparado para responder na hora em que for solicitado. Porque para um atacante, muitas vezes, uma situação dessa é definitiva. Se nós lançarmos mão e ele não for feliz, podemos desperdiçar um garoto, porque ele ainda está muito tenro, muito iniciante. Tem que ter cuidado.
Quando ele despontou como fenômeno no Paulista Sub-17, havia o temor de que não conseguisse lidar muito bem com a fama. Como tem sido?
Isso oscila muito. Eu te dou o exemplo do Geuvânio no Santos, é a mesma coisa. Ano passado, ele iniciou o Paulista de forma maravilhosa, mas depois, com as atenções, aquela coisa toda, ele caiu. Teve muita mudança na vida, com menino normalmente acontece isso. E agora está voltando a marcar gols, essa oscilação é muito natural. O tempo que dura depende do próprio jogador, é muito individual. Temos que estar atentos para dar a ele as melhores condições para jogar.
Consegue lembrar de outros jovens que trabalharam com você, passaram por esse processo e conseguiram se dar bem?
Ah, houve muitos. O Fernando Baiano no Corinthians, o Kleber no Corinthians… Outros aos quais não pude dar prosseguimento, mas acabou acontecendo, como o caso do Fábio Santos, que era do São Paulo e agora está no Corinthians. Teve muitos casos desses, alguns que depois acabou acontecendo de serem realmente envolvidos por essa coisa, como o Lenny, que despontou muito bem no Fluminense. Eu sempre me resguardo muito, porque um adolescente, que esses caras são, estão sensíveis a muitas coisas, muita influência, a tudo que estão passando.
Outro jovem que está passando por uma situação atípica é o Nathan. A Seleção sub-20, que deveria ser um prêmio, acabou causando prejuízo, já que voltou sem espaço. Conversou com ele?
Eu acho que isso não é prejuízo, não. Continua sendo prêmio. Ele está no Palmeiras, depende da capacidade dele, não depende de outra coisa. Ele vai competir com outros jogadores que com certeza largam na frente, porque já têm mais experiência, já provaram o que ele ainda tem que provar. Mas o que ele tem de potencial é, no mínimo, muito animador. Isso eu estou constatando aqui. Não quer dizer que ele não passe à frente dos outros. Comigo já aconteceu muitas vezes, pô. Cito o exemplo do Dória. Ele chegou como sétimo e de repente era o zagueiro mais importante do Botafogo, isso pode acontecer aqui com o Nathan também.
A exemplo do Nathan, outros estão sem jogar. O Andrei, contratado agora, nem foi inscrito no Paulista. Como motivar esses jogadores?
Nós vamos fazer 70 jogos no ano. O cara tem que olhar para o futuro e saber que temos muita coisa pela frente. É o meu argumento para eles.
Esse ano veremos um Oswaldo zen, um Oswaldo explosivo, ou um Oswaldo no meio termo?
Um Oswaldo Oswaldo. Às vezes é explosivo, às vezes é zen, às vezes mais ou menos. Uma pessoa com sentimentos, normal, sem nada especial. Sou o mesmo desde o dia 5 de dezembro de 1950. Desenvolvi, cresci, fiquei mais experiente, mais inteligente. Tive desilusões, emoções fortes, ganhei títulos e perdi títulos.
Veremos algo que foi incorporado após a passagem pelo futebol japonês?
Lá, eu usei um contraponto. Como eles eram excessivamente conjunto, precisei passar um componente de individualidade para dar uma equilibrada. Foi muito bom, porque nós tínhamos jogadores de muita qualidade. Tinha um jogador que foi eleito o melhor jogador do Mundial sub-20 de 1999, na Nigéria. Chama-se Motoyama, jogava pra cacete, um número 10 maravilhoso. Eles têm jogadores assim também, mas são jogadores que incorporam muito essa coisa do conjunto. Eu procurei dar liberdade a esse cara. Eles achavam que o meia que joga do lado direito só pode jogar ali, e o do lado esquerdo só pode funcionar lá. Eu passei para eles que podiam se movimentar, porque isso iria confundir a marcação do adversário. Senão fica muito previsível. Aqui, eu faço o contrário. Procuro fazer com que o jogador entenda, através do treinamento, de audiovisual e todos os recursos, que ele precisa respeitar o componente tático, fazer a equipe funcionar de forma coletiva.
O Guilherme, seu filho, já virou mascote do Palmeiras?
Ele é uma figura, só pensa em futebol. É o meu mais novo. Tenho a Natália, com 31, o Gabriel, que tem 27 e trabalha aqui comigo (como analista de desempenho) e o Gui. E está vindo a Julinha, minha neta.
É da Natália ou do Gabriel?
Do Gabriel. Não podia ser do Gui, né? (risos). Ainda bem, mas eles estão cada vez mais prodígios…
Fonte: LANCENET